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yehuda

beber é triste. são vários copos até algum efeito, e na manhã seguinte a prensa sobre a cabeça, o corpo maldormido e a sede do dia inteiro. a bebida apaga a memória e é isso que se quer, mas sem que seja preciso tanto repetir um gesto, virar o copo, sujar o lavabo.
amargo e abrupto.
o comprimido é de engolir uma vez e com pouca água. é só abrir a bolsa com cuidado e usar as pontas dos dedos para desembrulhar o papel que o envolve. quebrar ao meio ou engolir inteiro, dependendo o quanto se quer deixar de dor. é de ir aos poucos. o botão branco na palma da mão parece uma flor pequenina ou uma semente pálida que não dará fruto algum além da anestesia do sono. envolver a cartela restante no mesmo papel com cuidado, como se as pílulas fossem as peças pequeninas de uma caixinha de música, não aquela que faz a bailarina girar, mas a engrenagem simples de um realejo mudo.
amargo e abrupto veio o fim.
como pode um poema em íidiche dizer mais sobre nós do que nós mesmos?
escrever é o contrário de beber ou engolir um comprimido. não suja copos, não dá pra fazer com a ponta dos dedos usando delicadeza e papel fino. é um embrulho aberto pra dentro do corpo, como se uma flor de chá desabrochasse num estômago vazio.